quarta-feira, 27 de maio de 2009

Liberdades de Expressão e Informação ou A Diferença Entre Censurar e Manipular

O filme Good Bye Lenin de Wolfgang Becker foi (parece-me), comentado, apreciado e explorado com alguma profundidade durante as duas últimas sessões. A profundidade suficiente para não fazer sentido dizer mais do mesmo. Gostava só de tocar uma questão, abordada no filme, profundamente característica dos regimes políticos ditatoriais: a sonegação das liberdades de expressão e informação.

Partindo da premissa elementar de que um sistema político totalitarista assenta grande parte da sua força no rigoroso controlo da informação, é natural que procure, por um lado, veicular uma versão dos acontecimentos, que é a sua, produzida e propagandeada de forma a atingir objectivos bem definidos e necessários à manutenção do status quo; e pelo outro, impedir que informação não filtrada chegue do exterior, ao mesmo tempo que controla a produção doméstica recorrendo a processos de purga e censura, obrigatórios antes de qualquer divulgação pública.

Parece que foi há muito tempo que Maria Velho da Costa escreveu uma ‘Ova Ortegrafia’, na qual explica que «Ecedi escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta...».

Parece que passou muito tempo, sobretudo porque nenhum de nós se pode hoje queixar de dificuldade no acesso à informação, de falta de meios de comunicação, de atropelo à liberdade para dizer, escrever, ler ou ouvir o que entende. Tendo em conta a passagem de um cenário para o outro, a questão que eu gostaria de levantar é a seguinte:

Com tanta informação disponível, estaremos apetrechados da utensilagem mental necessária para fazer a triagem daquilo que é relevante no meio de tanto ruído? Somos senhores da sagacidade, do espírito crítico e da capacidade de análise necessários para perceber em que momentos nos estão a bombardear com determinado assunto para que outro vá passando despercebido? Ou será tudo isto apenas uma nova (e tecnologicamente mais elaborada) estratégia de controlo da informação que consumimos, assimilamos e produzimos?

Não tenho resposta, por isso deixo ficar a pergunta.

Raquel Patriarca

vinteesete.maio.doismilenove

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Goodbye Lenin!

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Goodbye Lenin!

Título: Goodbye Lenin!

Ano: 2003

Duração: 118 minutos

Realizador: Wolfgang Becker

Escrito por: Bernd Lichtenberg e Wolfgang Becker

Actores principais: Daniel Brühl, Katrin Sass, Chulpan Khamatova, Maria Simon, Florian Lukas, Alexander Beyer

.O Filme

Christiane Kerner é uma mulher que vive na República Democrática da Alemanha, sozinha com os seus dois filhos, depois de o seu marido ter fugido para o Ocidente. Com o tempo, decidiu abraçar o socialismo, tendo-se tornada num membro leal e devoto do partido. No dia 7 de Outubro de 1989, após ter visto o seu filho Alex protestar pela liberdade de imprensa, Christiane sofre um ataque cardíaco que a deixa em coma profundo durante oito meses. Quando acorda, o muro de Berlim já não existe. Nem o seu país socialista. Para salvar a mãe, Alex decide ocultar todos os factos políticos, recriando o mundo como era nos 79 metros quadrados do seu apartamento. Realizado por Wolfgang Becker, este filme é a história de um filho que procura o milagre de salvar a sua mãe e fazê-la acreditar que Lenine conseguiu triunfar.

Exploração do filme

O filme desenrola-se na Berlim Oriental, nas vésperas da queda do muro que a separava do Oriente. Vivem-se os últimos dias da Alemanha dividida em duas partes, entre o mundo capitalista do Ocidente e o bloco socialista da RDA. Goodbye Lenine! retrata a transição de uma sociedade cujos bens e produtos obedeciam a regras impostas pelo regime socialista (da roupa às bebidas, dos alimentos aos automóveis), para uma nova sociedade de consumo, livre, das grandes marcas internacionais (Coca-Cola, IKEA, Burger King…).

1. República Democrática Alemã, bloco soviético: os primeiros minutos do filme apresentam alguns dos aspectos da Alemanha de Leste, importantes para que se perceba o clima de repressão e de controlo sobre os cidadãos. Christiane Kerner (minuto 3) é visitada por dois agentes que perguntam por que razão o seu marido viaja tanto para o Ocidente Capitalista, e se estariam a preparar a fuga. Mais adiante no filme, este episódio é recordado por Christiane Heiser (1h27m), que refere que o seu marido sofria pressões no trabalho por não ser do partido. Algumas características deste Estado (minuto 8), de cariz militar, são visíveis durante a celebração do 40º aniversário da DDR – Deutsche Demokratische Republik (República Democrática Alemã). A repressão (minuto 12) surge novamente quando a polícia avança sobre uma manifestação pela liberdade de imprensa, que levou à prisão de Alex Kerner. A vida durante o socialismo surge ao longo do filme, sobretudo por oposição às transformações geradas pela queda do muro de Berlim.

2. Queda do Muro de Berlim, Alemanha unificada: são vários os exemplos de mudança que o filme apresenta, tanto no plano político como social. Logo após as imagens da agitação política, com a demissão de Erich Honecker (secretário-geral do Partido da Unidade Socialista e presidente do Conselho Estatal da RDA – minuto 17), e o fim do regime, com a queda do muro de Berlim, o filme apresenta uma sucessão espantosa de imagens que ilustram a transição da ex-RDA para o capitalismo: as eleições livres (minuto 18), as transformações culturais (vida nocturna, pornografia, músicas alternativas (minuto 23), danças orientais, vestuário), e a introdução de novas marcas e novos hábitos (Coca-Cola, Burger King, instalação de parabólicas – “praticantes da reunificação” (minuto 25) – e a diminuição progressiva do controlo de fronteira). Com o desenrolar do filme, os novos padrões de vida são apresentados em clara antítese com a vida que existia nos 79 metros quadrados do quarto de Christiane Kerner: publicidade no prédio (Coca-Cola), zeppelin, mercado de velharias. Por fim, Goodbye Lenin! é intervalado por sucessivas alusões às transformações económicas: desvalorização da moeda da RDA e a troca pelo marco Alemão do Ocidente; e a diferença do preço dos serviços (43 marcos era o preço da renda na Alemanha de Leste, o equivalente ao preço do serviço de telefone no Ocidente). Um outro aspecto relevante é a fuga de médicos e de pessoas para o lado oposto do muro, e a mudança radical nos bens de consumo (as casas com novas mobílias, as pessoas com roupas diferentes, os carros já não são o convencional Trabant, mas BMW, Mercedes, e outras marcas importadas). Simbolicamente, quando a Alemanha vence o campeonato do mundo de futebol, em 1990, há uma bandeira com o centro cortado, onde outrora estava o símbolo da RDA (1h08m). Em pouco tempo, a vida da RDA socialista desapareceu.

Personagens históricas

- Sigmund Jähn (1937-): o primeiro cosmonauta Alemão
- Erich Honecker (1912-1994): secretário-geral do Partido da Unidade Socialista e presidente do Conselho Estatal da RDA
- Mikhail Gorbachev (1931-): último secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, e um dos contribuidores para o fim da Guerra Fria
- Helmut Kohl (1930-): chanceler de 1982 até 1998 e um dos responsáveis pela reunificação da Alemanha

Para saber mais
Artigo sobre Goobye Lenin! de Julian Kramer (jornalista de política internacional)
Goodbye Lenin! no IMDB

quinta-feira, 21 de maio de 2009

O Pesadelo de Darwin - análise de Raquel Patriarca

Um Filme Documental Acerca de Homens e Peixes


O Pesadelo de Darwin de Hubert Sauper aparece definido, na primeira linha de pesquisa no Google, como “a documentary film about humans and fish”. Alguém desavisado que leia esta legenda, facilmente entenderá que se trata de um documentário sobre os atentados ambientais que destroem o planeta e que, em última análise, serão responsáveis pelo desaparecimento do que resta da humanidade. Aqueles desavisados que virem o filme, facilmente entenderão que se trata de um documentário sobre as atrocidades que destroem o planeta e que, a muito curto prazo, serão responsáveis pelo desaparecimento do que resta de humanidade dentro de cada um de nós.

A minha primeira reacção foi de deixar passar o tempo, tentar digerir o que vi e só depois analisar e escrever. Cinco dias depois cheguei à conclusão que não vou conseguir digerir nada. Este é, provavelmente, um dos sinais mais seguros de que o filme é muitíssimo bom e que toda a gente o devia ver, pelo menos uma vez. O problema é que qualquer reflexão que eu possa fazer é, à partida, tolhida pelo desconforto, o desalento e a revolta. Por outro lado, um filme tão brutalmente objectivo e esclarecedor não deixa grande margem para interpretação.

Vou apenas enunciar, o mais telegraficamente possível, três aspectos que me parecem dignos de nota: o primeiro toca questões formais; o segundo toca questões de conteúdo; o terceiro não sei dizer que questões toca.
Primeiro: O filme é bem conseguido por ser um documentário sem comentários. A esmagadora maioria dos filmes ou séries ditos documentais que vemos hoje estão carregados de comentários, relatos e explicações que, as mais das vezes, servem um de três objectivos: transformar o documentário em algo altamente empolgante e cheio de suspense; encaminhar a narração dos factos relatados segundo uma interpretação pré-concebida; fazer do documentarista o herói explorador do desconhecido ou reparador de injustiças. Este documentário é extremamente poupado nas informações que oferece em paralelo com o filme, e os poucos elementos que dá são puramente factuais: o nome e a profissão da pessoa que aparece a dar o seu testemunho; a data de um acontecimento específico ou a identificação de um determinado local.
Segundo: É incrível e abismal a diferença entre o discurso dos tanzanianos e o discurso dos outros – os russos, por exemplo. Excepção feita ao pastor – que deixa um testemunho por demais familiar –, qualquer criança de rua ou desempregado de esquina é capaz de fazer uma análise apurada da economia mundial, uma explicação integrada e estratégica do papel do continente africano na dinâmica geopolítica global e articular uma opinião informada sobre aquilo que lhe é perguntado. Pode não ter razão no que diz – isso não está aqui em causa – o que é de reter é a clareza, abertura e objectividade com que cada um partilha aquilo que observa, que sabe e pensa. De si próprio, dos outros, da morte, da vida, da doença, da religião, da guerra, do rio, do peixe, do banco mundial, de tudo. Os outros – os não nativos de países de terceiro mundo – são ridiculamente evasivos, comprometidamente neutros e mentirosamente ignorantes.
Terceiro: O Pesadelo de Darwin, como metáfora para a ‘desevolução’ da raça humana, é um título extraordinariamente bem escolhido para um filme que bem pode ser o exemplo mais acabado da ideia que define a realidade como incomensuravelmente pior que qualquer espécie de ficção.

Noutra das pesquisas que fiz no Google à procura de informação sobre a Tanzânia, encontrei um site turístico decorado com fotografias lindíssimas e no fundo, como um slogan publicitário, pode ler-se a frase: “the authentic Africa”… parece-me agora um conceito aterrador.


Raquel
vinte.maio.doismilenove

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Recursos na rede

1. INTERNET MOVIE DATABASE


+ Base de dados de todos os filmes mundiais, em que apresenta os dados técnicos, uma sinopse e detalhes pormenorizados do filme; dispõe de uma secção de falhas dos filmes (goofs), relevante para se saber, em pouco tempo, quais os anacronismos e erros históricos. Site fundamental para a preparação de um filme.

- A busca tem de ser feita sempre em Inglês, e é necessário utilizar termos de pesquisa muito específicos.

2. FILM & HISTORY
+ Índice de alguns filmes de história Americana.

- Links quebrados e demasiado na História da América.

3. HISTORY CHANNEL
+ Vídeos temáticos, com especial enfoque nas guerras mundiais.

- A imensa variedade de temas acaba por se tornar inútil, porque entra na história fantástica.

4. ACADEMIC INFO
+ Índice alfabético de recursos educacionais disponíveis na rede. Serve para encontrar ligações relevantes para a História e Cinema, mas também para outras áreas do saber.

- Nem todas as ligações são relevantes. Perde-se imenso tempo a descobrir um site realmente útil.

5. WAR AND WAR-ERA MOVIES
+ Lista de filmes sobre a guerra.

- Exceptuando as batalhas Americanas, é sobretudo sobre confrontos militares do século XX.

6. VIRTUAL LIBRARY - FILM HISTORY INDEX
+ Ligações a sites nacionais úteis, com informações históricas sobre os filmes e realizadores.

- Não é um site fácil de navegar, pela construção demasiado minimalista. Deveria conter informações mais pormenorizadas sobre as ligações.

7. PROJECT MUSE - FILM HISTORY
+ Journal of Film History: artigos sobre o Cinema e a História

- Geralmente, são artigos demasiado técnicos.

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O YouTube também fez parte da última sessão. As ligações seguintes correspondem aos vídeos visionados.



1. Flappers: The Roaring Twenties

2. The Charleston

3. To live in the 1920s

4. The 1929 Stock Market Crash news footage

5. A Artilharia Portuguesa de meados do século XV e XVI

6. O Regicídio

7. Início da Guerra Colonial

8. Guerra do Ultramar

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Não se esqueçam de ver os vídeos relacionados, do lado direito do ecrã.

Bons vídeos e boas aulas!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Arca Russa - análise de Raquel Patriarca

Trezentos Anos de História em Noventa e Seis Minutos


A Arca Russa de Aleksandr Sokurov passou a fazer parte dos filmes mais notáveis que vi, e isto é válido tanto no que toca aos aspectos formais, como às questões de conteúdo.

Os desafios técnicos do projecto em si são, logo à partida, factores determinantes. A enormidade do elenco, a solenidade do cenário, a presença de inúmeras obras de arte do museu e a introdução das orquestras e do teatro, a beleza do guarda-roupa, da música, da dança, o acaso das conversas não acabadas, o entreabrir de portas que é o espreitar o passado que não se compreende na totalidade, tudo magistralmente coordenado numa coreografia perfeita, transporta-nos no tempo e no espaço e produz, num só fôlego de hora e meia, uma viagem e uma experiência únicas.

Em relação ao tema e ao conteúdo não vou refazer a análise e problematização apresentadas pelo André Vitória – até porque não saberia como – mas gostava, ainda assim, de partilhar um ou dois pontos que me têm provocado algumas sinapses…

Aquilo que mais me fascinou foi a estratégia escolhida pelo realizador para contar a sua história e provocar o efeito – muito bem conseguido, diga-se – de nos fazer reflectir sobre questões do passado que são actuais no presente.
Quanto mais penso nisso, mais brilhante me parece a ideia de colocar um homem de hoje, com o conhecimento e horizonte históricos que temos – hoje – em diálogo com um homem do passado, que assistiu, participou e escreveu sobre esse passado, ambos envolvidos numa tentativa de orientação mútua por entre os meandros da passagem do tempo, com escalas em vários momentos – uns puramente circunstanciais, outros de manifesta importância histórica.

É como se fosse uma forma relativamente simples – mas não simplista – de colocar questões muito complexas; como a identidade cultural da Rússia ou as razões e circunstâncias que possam ter determinado o seu percurso histórico dos últimos séculos. E não é só o colocar das questões é o colocá-las tanto pelo homem de então como pelo homem actual.

O Marquês de Custine, muito participante e opinativo, assiste a acontecimentos próprios do seu tempo que analisa de um ponto de vista externo, porque não é russo mas ‘estrangeiro’ ou ‘europeu’ e acaba por passar de uma postura crítica da sociedade russa para uma posição de identificação cúmplice e admiração genuína. Ele conhece aquilo a que podemos chamar de antecedentes da Revolução Russa.
O Realizador do séc. XXI, que interage apenas com o Marquês, vê tudo com a estranheza e incompreensão próprias de quem está a ver um mundo diferente do seu, é – ao contrário do anterior – um russo e portanto tudo o aquilo a que assiste é, também, o seu passado, a sua herança histórica, independentemente da forma como se identifica com ela ou não. Coloca muitas questões, ajuda a esclarecer outras e assume a posição de quem sabe o que se segue à queda do Império e sobretudo o de quem conhece as consequências da Revolução Russa.

Os dois observadores, que nada têm em comum e que apresentam perspectivas diferentes perante tudo aquilo que vêm ao longo do filme são, de alguma forma, complementares nos pontos de vista e, mais importante ainda, sobrepostos nas dúvidas acerca do futuro da Rússia, que aparecem colocadas de uma maneira mais ou menos metafórica no final, e que o realizador parece relançar hoje.

Penso que esta fórmula de ‘ensinar’ a história através de um filme, sem a reduzir a uma visão linear de interpretação única, sem levantar problemas ou dúvidas, é cognitivamente mais estimulante e intelectualmente mais honesta que a esmagadora maioria dos filmes que seriam, para mim, escolhas mais evidentes. Finamente considero que tratar (ver, discutir, analisar, explorar, etc.) filmes considerados mais ‘difíceis’ ou problemáticos – e ainda que depois, em ambiente de aula com alunos mais novos, se opte por outras soluções – considero, dizia eu, que esta é a melhor estratégia para nos tornar aptos a fazer esse tratamento, sozinhos e sobre qualquer tipo e espécie de filme.


Raquel Patriarca
17.maio.2009

Como fazer download de vídeos do YouTube

Na última sessão, estivemos a ver uma série de vídeos, disponíveis online, que podem ser usados numa sala de aula. Mas nem todas as escolas têm internet disponível em todos os edifícios. Nessas ocasiões, o melhor é fazer download do vídeo.

As explicações que se seguem apresentam o método mais simples para descarregar um vídeo do YouTube, através do Real Player.

1. Descarregar o Real Player


2. Executar o ficheiro descarregado (RealPlayer11Gold.exe)

3. A opção "ENABLE BROWSER DOWNLOAD BUTTON" está automaticamente seleccionada. E é importante que esteja, para que a opção para descarregar vídeos esteja associada ao Internet Explorer.





4. Instalado o programa, pode abrir o Internet Explorer ou o Firefox e descarregar vídeos do YouTube e de outros sites! Ao passar com o rato por cima do vídeo, aparecerá, no canto superior direito, a mensagem "DOWNLOAD THIS VIDEO".



5. Caso pretenda escolher a pasta de destino clique na seta e clique na opção "Save this video as..." (Nas configurações do Real Player dá para predefinir a pasta em que o programa guarda os ficheiros.)



Em caso de dúvida, basta que deixem os vossos comentários no blog.

Bom trabalho!

sábado, 16 de maio de 2009

Um filme sobre a Revolução Russa

Caríssimos

Foi com enorme surpresa que vos ouvi, no início da segunda sessão, quase por unanimidade, falar da revolução russa de 1917 e da evolução política que se lhe seguiu como um dos temas mais difíceis de leccionar. E mais surpreendido fiquei quando praticamente todas e todos acrescentaram que os temas políticos, em geral, eram áridos, e que os alunos actualmente tinham dificuldade em perceber bem as simples e clássicas distinções "esquerda" e "direita".

A nossa proposta de hoje, a "Arca Russa", foi claramente um caminho exigente, que requer muito 'trabalho de casa' (como o que o André Vitória fez). Creio que todos concordaremos que é uma experiência de cinema quase única.

Caminhos mais clássicos:

1. Os dois filmes do Sergei Eisenstein: o "Couraçado Potemkine", um marco na história do cinema, um filme a preto e branco, muito datado e 'mudo' (isto é, com banda sonora, excelente, mas em que as 'falas' aparecem por escrito, porque não se gravava a voz nem os sons de fundo). Não é um filme fácil; pode dar para os mais velhos, sempre com um enquadramento cuidadoso; e o "Outubro", um pouco mais documental e menos documental. Há excertos dos dois no You Tube, para dar uma ideia do tipo de imagem e de ritmo.

2. Para os nossos alunos, o filme mais útil e mais eficaz é sem dúvida o "Reds", de 1981, realizado pelo Warren Beatty. Baseado num livro clássico do jornalista americano John Reed, "Dez dias que abalaram o mundo" (leitura que, aliás, podemos sugerir aos mais velhos e aos mais inteterssados, como complemento para o filme), o filme teve três óscares, embora estivesse nomeado para quase todas as categorias, e é geralmente considerado como um dos 10 indiscutíveis na lista dos melhores filmes épicos de sempre. O Warren Beatty contracena com a Diane Keaton. Pelo meio, aparecem, de fugida, outras caras conhecidas, como o Jack Nicholson ou o Gene Hackman.
Como recriação dos acontecimentos e dos ambientes, e para o nosso 'público-alvo', é sem dúvida o filme a utilizar.
Não tem praticamente anacronismos ou erros históricos (e os que tem são muito divertidos e de pormenor).
Mas atenção: o filme demora mais de três horas. Por isso, na sala de aula só podemos passar excertos de cinco a sete minutos (há vários possíveis e muito bons). Se esses excertos fizerem sucesso, em actividade extra-aula ou no tal "Clube de Cinema" podemos arriscar o filme inteiro. Os miúdos gostam; vão por mim.

Outra coisa: para os séculos XVIII (final) ao início do século XXI, entre a numerosa bibliografia, sugerimos um historiador muito inteligente, que escreve bem e 'comprometido', o Eric Hobsbawm.
Tem vários livros traduzidos que nos podem ajudar a leccionar matérias.
Neste blog disponibilizaremos esses títulos a partir do dia 16 de Maio.

Luís Miguel Duarte

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A Arca Russa (2002), de Aleksandr Sokurov

Título original: Russkiy Kovcheg
Ano: 2002
Duração: 96 minutos
Realizador: Aleksandr Sokurov
Fotografia: Bernd Fischer
Operador de Steadicam: Tilman Büttner
Com Sergei Dreiden, Maria Kuznetsova, Leonid Mozgovoy, David Giorgobiani, Alexander Chaban, Mikhail Piotrovsky, Lev Yeliseyev, Oleg Khmelnitsky, Alla Osipenho, Artem Strelnikov, Tamara Kurenkova, Maxim Sergeyev, Natália Nikulenko, Vladimir Baranov, Maestro Valery Gergiev e as orquestras Mariinsky Theatre Orchestra e The State Hermitage Orchestra.

O Filme

Filmado num só dia, a 23 de Dezembro de 2001, A Arca Russa ocupa um lugar ímpar na história do cinema. Num plano sequência único de 96 minutos, Sokurov percorre 33 salas do Museu Hermitage (complexo monumental que inclui o famoso Palácio de Inverno dos Romanov) e 300 anos de história russa, através da qual desfilam cerca de 1000 figurantes em trajes de época. Esta viagem pelo tempo – a que a ausência de cortes empresta uma invulgar sensação de continuidade – é guiada por duas personagens, um realizador contemporâneo e um diplomata francês do século XIX, o Marquês de Custine (referido no filme como O Estrangeiro ou O Europeu), que, sem saber como, dão por si a deambular pelas salas e corredores do Hermitage. As obras de arte com que se deparam e o diálogo que mantêm sobre o dilema da europeização russa são acompanhadas pelo desenrolar de vários acontecimentos históricos, obedecendo a um muito ténue fio cronológico.

Personagens, Acontecimentos, Referências históricas: Selecção

- 00:07:10, Czar Pedro I o Grande (1672-725) aparece a bater num general.
- 00:08:18, Custine satiriza o despotismo de Pedro I.
- 00:12:10, Czarina Catarina II a Grande (1729-96) assiste ao ensaio de uma peça de teatro.
- 00:46:50, Alusão ao Cerco de Leninegrado (1941-4).
- 00:49:30, Catarina II a correr pelos Jardins Suspensos.
- 00:54:00, Czar Nicolau I (1796-855) recebe o embaixador da Pérsia, que apresenta as desculpas do Xá Fath Ali Shah (1773/3-834) pela morte de vários diplomatas russos em Teerão, entre os quais Aleksandr Griboyedov (1795-829). A entrevista tem lugar no Sala de S. Jorge, onde em 1906 viria a reunir-se pela primeira vez a Duma, ou parlamento russo.
- 01:09:53, Czar Nicolau II (1868-918) a tomar o pequeno-almoço com a família.
- 01:11:11, Último baile no Palácio de Inverno (1913). Acerca de um outro baile, organizado dez anos antes, quando a revolução estava prestes a eclodir, o Grão-Duque Alexander Mikhailovitch escrevera: ‘(foi) o último baile espectacular da história do império... (mas) uma nova e ameaçadora Rússia espreitava já pelas grandes janelas... enquanto dançávamos, os trabalhadores entravam em greve e as nuvens vindas do Extremo Oriente corriam já pesadas sobre as nossas cabeças’ (Maylunas/Mironenko, A Lifelong Passion, 226).
- 01:24:46, Um oficial faz referência ao Restaurante Medved (Urso), então situado no edifício do Hotel Demoute, na Rua Bolshaya Konyushennaya.

Exploração do filme

- Há dois temas fortes: 1) despotismo iluminado, consubstanciado nas figuras históricas de Pedro o Grande e Catarina a Grande e enunciado através das observações críticas do Marquês de Custine; 2) antecedentes da revolução russa, de que o baile final apresenta a imagem mais marcante.

- 1) Despotismo iluminado. O ambiente palaciano que o filme retrata é um produto directo do despotismo czarista de Pedro o Grande, que governou o império com mão de ferro, abrindo-o à Europa; S. Petersburgo, e em particular o Hermitage, é uma criação de Pedro o Grande, que pretendia fazer da sua cidade ‘uma janela virada para a Europa’. O governo pessoal do czar traduziu-se na modernização material da Rússia, mas sem concessões no campo das liberdades e da evolução do corpo político no sentido do liberalismo e da representação parlamentar. O Marquês de Custine, que escreveu uma obra em quatro volumes intitulada La Russie en 1839, refere-se nestes termos à tirania exercida pelo imperador e pela aristocracia russa:

‘Que faz a nobreza russa? Adora o Imperador, e faz-se cúmplice dos abusos do poder soberano para também ela continuar a oprimir o povo, que fustigará enquanto o deus que ela serve mantiver o chicote nas suas mãos (esse deus, note-se, que ela própria criou). Terá sido este, afinal, o papel que lhe reservou a Providência na economia deste vasto Império? A nobreza ocupa postos de honra? Que fez para os merecer? O poder exorbitante e sempre crescente do mestre é a justa punição pela fraqueza dos grandes. Na história da Rússia, ninguém, a não ser o Imperador, fez o que lhe cumpria; a nobreza, o clero, todos as classes da sociedade falharam perante elas mesmas. Um povo oprimido sempre mereceu as suas penas; a tirania é obra das nações. Ou o mundo civilizado atravessará de novo outros 50 anos sob o jugo dos bárbaros, ou a Rússia conhecerá uma revolução ainda mais terrível do que aquela, a Ocidente, cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir.’ (Astolphe, Marquis de Custine, La Russie en 1839 (Paris, 1843), p. 18; os quatro volumes estão disponíveis online em http://www.gutenberg.org/browse/authors/c#a31554).

Seria interessante explorar na aula os testemunhos do Marquês de Custine, relacionando as suas digressões no filme com este ou outro excerto da sua obra.

- 2) Antecedentes da revolução russa. O despotismo czarista está na base da revolução russa como uma das suas causas mais profundas. Esta ligação fica bem explícita no filme e pode ser explorada, uma vez mais, através da figura do Marquês de Custine. O baile final, a saída dos convidados e a recusa de Custine em seguir com a multidão, deixando-se ficar para trás, sugerem um corte, o fim de alguma coisa e o princípio de outra. O que, de facto, sucedeu: o baile realizou-se em 1913, quando a Rússia vivia sob uma débil monarquia constitucional; a participação russa na Primeira Guerra Mundial, pouco depois, aceleraria a degradação da monarquia e precipitaria o fim dos Romanov, com o eclodir da revolução de 1917 e a instauração do regime soviético. É eloquente a imagem que mostra o Salão Nicolau convertido em hospital militar, apenas dois anos após o baile.

Para saber mais

- Crítica ao filme, da autoria da Dra. Birgit Beumers, professora na Universidade de Bristol e directora da revista online sobre cinema russo contemporâneo KinoKultura e da revista Studies in Soviet and Russian Cinema: http://www.kinokultura.com/reviews/Rark.html.
- Enciclopédia de S. Petersburgo: http://www.encspb.ru/en/index.php.
- Página Web oficial de Aleksandr Sokurov: http://www.sokurov.spb.ru/index.html.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman

Na última sessão foi apresentado O Sétimo Selo de Ingmar Bergman.

O grupo constituído por Paula Correia, Filomena Claro, Isabel Afonso e Raquel Patriarca decidiram escrever uma crítica sobre o filme, relacionando-o com as possibilidades didácticas de exploração numa sala de aula.

O texto que se segue é da autoria desse grupo.

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O Sétimo Selo
Ingmar Bergman, 1918 – 2007


Opinião Geral:

O filme é muito bonito, carregado de simbolismo de um sentido estético extraordinário. O facto de ser a preto e branco, a simplicidade dos cenários e a banda sonora despida de artifícios mas cheia de impacto, transportam-nos para o passado e impregnam-nos do ambiente medieval.
Encontramos como questões centrais a vida terrena e quotidiana, a constante presença da morte, a existência ou não de uma vida eterna e o papel do Homem no centro de tudo, como elemento de vivências sociais, políticas e religiosas, pivô da trilogia fé, dúvida e conhecimento.
Os temas são tratados com grande densidade intelectual e alguma ironia, obrigando-nos a colocar perguntas a nós próprios, e a olhar o mundo à nossa volta com um olhar diferente.

Em Ambiente de Aula:

Este filme apresenta excelentes perspectivas para trabalhar diversos temas:
• A análise da dualidade superstição e obscurantismo versus actividade intelectual e filosófica, ambas tão características da cultura medieval;
• O estudo do chamado “longo século XIV”, dos seus aspectos mais marcantes – peste, fome e guerra, bem como das questões associadas bem presentes no filme como as crises de fé ou as migrações em massa;
• A abordagem deste cenário como fase de charneira entre o Período Medieval e os primeiros sintomas da Época Moderna;
• A problematização de questões como a ‘promessa’ das Cruzadas, a vivência quotidiana da religião ou as pregações e a ameaça permanente da condenação e do castigo divino, no âmbito mais alargado do papel da Igreja na vida dos homens e mulheres desta época;
• A análise de questões mais isoladas ou pontuais, que podem ter grande interesse e significado: a imagem da mulher, a imagem da morte, etc.

No caso de se usarem apenas excertos do filme, propomos os seguintes:
Cena dentro da capela em que se estabelece um diálogo entre o pintor e o escudeiro e, paralelamente, uma conversa/confissão entre o cavaleiro e a morte.
Cena que contempla no primeiro momento a peça de teatro no centro da aldeia e, no segundo, a procissão dos flagelados e o breve sermão do pregador.
Cena da estalagem, repleta de pormenores da vivência quotidiana medieval, de conversas sobre os receios e sentimentos comuns acerca da moralidade dos actos e da pureza da alma, seguidas de atitudes de violência e intolerância também características da época.
Cena do auto-de-fé em que é sentenciada uma inocente e que dá origem ao diálogo entre o cavaleiro e o escudeiro sobre a questão da existência ou ausência da vida eterna,

Propomos, depois da análise e do trabalho feito na aula, como exercício ou sugestão de trabalho – que poderia ser individual o em grupo – as seguintes abordagens:
• Estabelecer e desenvolver uma relação entre as personagens do cavaleiro Antonius Block e do escudeiro Jöns de Bergman com as personagens do cavaleiro D. Quixote e do escudeiro Sancho Pança de Cervantes.
• Problematizar a relação do Homem com o sentido da vida e da morte no contexto da mentalidade da Época Medieval e no contexto da Europa do Pós Segunda Guerra Mundial em que foi realizado o filme.
• Reflectir e desenvolver a importância simbólica do jogo de xadrez no enredo da história do filme e no cenário mais alargado da Época retratada.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Douro, Faina Fluvial (1931), de Manoel de Oliveira

Inspirado pelo filme Berlim, Sinfonia de uma cidade, de Walter Ruthmann, Manoel de Oliveira captou artisticamente imagens de um quotidiano da cidade do Porto. Douro, Faina Fluvial é um documentário de 20 minutos que oferece uma arrojada observação da realidade social, incorporando vários elementos da azáfama diária da Ribeira: os homens e mulheres, as máquinas e os carros de bois, os barcos a ponte. E o rio. Um conjunto de elementos articulados que faz desta curta-metragem um testemunho valioso de como se processava a vida do Porto-Douro no final da década de 1920.

Douro, Faina Fluvial foi gravado com recurso a uma máquina de filmar de 35 mm, durante dois anos – as gravações eram feitas ao fim-de-semana. Manoel de Oliveira foi auxiliado por António Mendes – seu amigo e fotógrafo amador. A estreia do filme teve lugar em Lisboa, no V Congresso Internacional da Crítica (Setembro de 1931).

Para saber mais:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Douro,_Faina_Fluvial
http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=570239
http://www.labcom.ubi.pt/cinubiteca/pdf/planocorte29.pdf
http://www.citi.pt/cultura/cinema/manoel_de_oliveira/douro.html
http://cinept.blogspot.com/2005/02/douro-faina-fluvial-1931.html

O Cinema no Ensino da História

No dia 8 de Maio, às 17h30, começa a primeira sessão do curso O Cinema no Ensino da História.

Este espaço servirá para que os participantes critiquem as sessões, recebam links e façam propostas de actividades.

Bom trabalho e bom curso!