Título original:
Russkiy KovchegAno: 2002
Duração: 96 minutos
Realizador: Aleksandr Sokurov
Fotografia: Bernd Fischer
Operador de Steadicam: Tilman Büttner
Com Sergei Dreiden, Maria Kuznetsova, Leonid Mozgovoy, David Giorgobiani, Alexander Chaban, Mikhail Piotrovsky, Lev Yeliseyev, Oleg Khmelnitsky, Alla Osipenho, Artem Strelnikov, Tamara Kurenkova, Maxim Sergeyev, Natália Nikulenko, Vladimir Baranov, Maestro Valery Gergiev e as orquestras Mariinsky Theatre Orchestra e The State Hermitage Orchestra.
O FilmeFilmado num só dia, a 23 de Dezembro de 2001, A Arca Russa ocupa um lugar ímpar na história do cinema. Num plano sequência único de 96 minutos, Sokurov percorre 33 salas do Museu Hermitage (complexo monumental que inclui o famoso Palácio de Inverno dos Romanov) e 300 anos de história russa, através da qual desfilam cerca de 1000 figurantes em trajes de época. Esta viagem pelo tempo – a que a ausência de cortes empresta uma invulgar sensação de continuidade – é guiada por duas personagens, um realizador contemporâneo e um diplomata francês do século XIX, o Marquês de Custine (referido no filme como O Estrangeiro ou O Europeu), que, sem saber como, dão por si a deambular pelas salas e corredores do Hermitage. As obras de arte com que se deparam e o diálogo que mantêm sobre o dilema da europeização russa são acompanhadas pelo desenrolar de vários acontecimentos históricos, obedecendo a um muito ténue fio cronológico.
Personagens, Acontecimentos, Referências históricas: Selecção
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00:07:10, Czar Pedro I o Grande (1672-725) aparece a bater num general.
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00:08:18, Custine satiriza o despotismo de Pedro I.
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00:12:10, Czarina Catarina II a Grande (1729-96) assiste ao ensaio de uma peça de teatro.
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00:46:50, Alusão ao Cerco de Leninegrado (1941-4).
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00:49:30, Catarina II a correr pelos Jardins Suspensos.
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00:54:00, Czar Nicolau I (1796-855) recebe o embaixador da Pérsia, que apresenta as desculpas do Xá Fath Ali Shah (1773/3-834) pela morte de vários diplomatas russos em Teerão, entre os quais Aleksandr Griboyedov (1795-829). A entrevista tem lugar no Sala de S. Jorge, onde em 1906 viria a reunir-se pela primeira vez a Duma, ou parlamento russo.
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01:09:53, Czar Nicolau II (1868-918) a tomar o pequeno-almoço com a família.
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01:11:11, Último baile no Palácio de Inverno (1913). Acerca de um outro baile, organizado dez anos antes, quando a revolução estava prestes a eclodir, o Grão-Duque Alexander Mikhailovitch escrevera: ‘(foi) o último baile espectacular da história do império... (mas) uma nova e ameaçadora Rússia espreitava já pelas grandes janelas... enquanto dançávamos, os trabalhadores entravam em greve e as nuvens vindas do Extremo Oriente corriam já pesadas sobre as nossas cabeças’ (Maylunas/Mironenko,
A Lifelong Passion, 226).
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01:24:46, Um oficial faz referência ao Restaurante Medved (Urso), então situado no edifício do Hotel Demoute, na Rua Bolshaya Konyushennaya.
Exploração do filme
- Há dois temas fortes: 1) despotismo iluminado, consubstanciado nas figuras históricas de Pedro o Grande e Catarina a Grande e enunciado através das observações críticas do Marquês de Custine; 2) antecedentes da revolução russa, de que o baile final apresenta a imagem mais marcante.
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1) Despotismo iluminado. O ambiente palaciano que o filme retrata é um produto directo do despotismo czarista de Pedro o Grande, que governou o império com mão de ferro, abrindo-o à Europa; S. Petersburgo, e em particular o Hermitage, é uma criação de Pedro o Grande, que pretendia fazer da sua cidade ‘uma janela virada para a Europa’. O governo pessoal do czar traduziu-se na modernização material da Rússia, mas sem concessões no campo das liberdades e da evolução do corpo político no sentido do liberalismo e da representação parlamentar. O Marquês de Custine, que escreveu uma obra em quatro volumes intitulada
La Russie en 1839, refere-se nestes termos à tirania exercida pelo imperador e pela aristocracia russa:
‘Que faz a nobreza russa? Adora o Imperador, e faz-se cúmplice dos abusos do poder soberano para também ela continuar a oprimir o povo, que fustigará enquanto o deus que ela serve mantiver o chicote nas suas mãos (esse deus, note-se, que ela própria criou). Terá sido este, afinal, o papel que lhe reservou a Providência na economia deste vasto Império? A nobreza ocupa postos de honra? Que fez para os merecer? O poder exorbitante e sempre crescente do mestre é a justa punição pela fraqueza dos grandes. Na história da Rússia, ninguém, a não ser o Imperador, fez o que lhe cumpria; a nobreza, o clero, todos as classes da sociedade falharam perante elas mesmas. Um povo oprimido sempre mereceu as suas penas; a tirania é obra das nações. Ou o mundo civilizado atravessará de novo outros 50 anos sob o jugo dos bárbaros, ou a Rússia conhecerá uma revolução ainda mais terrível do que aquela, a Ocidente, cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir.’ (Astolphe, Marquis de Custine,
La Russie en 1839 (Paris, 1843), p. 18; os quatro volumes estão disponíveis online em
http://www.gutenberg.org/browse/authors/c#a31554).
Seria interessante explorar na aula os testemunhos do Marquês de Custine, relacionando as suas digressões no filme com este ou outro excerto da sua obra.
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2) Antecedentes da revolução russa. O despotismo czarista está na base da revolução russa como uma das suas causas mais profundas. Esta ligação fica bem explícita no filme e pode ser explorada, uma vez mais, através da figura do Marquês de Custine. O baile final, a saída dos convidados e a recusa de Custine em seguir com a multidão, deixando-se ficar para trás, sugerem um corte, o fim de alguma coisa e o princípio de outra. O que, de facto, sucedeu: o baile realizou-se em 1913, quando a Rússia vivia sob uma débil monarquia constitucional; a participação russa na Primeira Guerra Mundial, pouco depois, aceleraria a degradação da monarquia e precipitaria o fim dos Romanov, com o eclodir da revolução de 1917 e a instauração do regime soviético. É eloquente a imagem que mostra o Salão Nicolau convertido em hospital militar, apenas dois anos após o baile.
Para saber mais- Crítica ao filme, da autoria da Dra. Birgit Beumers, professora na Universidade de Bristol e directora da revista online sobre cinema russo contemporâneo KinoKultura e da revista Studies in Soviet and Russian Cinema:
http://www.kinokultura.com/reviews/Rark.html.
- Enciclopédia de S. Petersburgo:
http://www.encspb.ru/en/index.php.
- Página Web oficial de Aleksandr Sokurov:
http://www.sokurov.spb.ru/index.html.